O Espaço de diálogo sobre o Ensino Médio Público

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Pesquisadores protestam contra o Projeto Lei n. 6.840/2013, que propõe a reformulação do Ensino Médio



MANIFESTAÇÃO 
à Sociedade, ao Congresso Nacional e ao governo referente ao Projeto Lei n. 6.840/2013, que propõe a reformulação do Ensino Médio
Em apoio À PETIÇÃO PÚBLICA
            Há tempo vimos acompanhando o debate da “Comissão Especial destinada a promover estudos e proposições para a reformulação do Ensino Médio” (CEENSI), da Câmara dos Deputados, que deu origem ao atual Projeto de Lei n. 6840/2013. Na verdade, uma nova mudança deste nível de ensino, que nas últimas décadas foi sendo retalhado, afastando-se cada vez mais de sua concepção de educação básica, condição imprescindível à autonomia política e econômica da atual e futuras gerações de jovens.
Como membros da sociedade civil, acompanhamos as idas e vindas, a fragmentação e as emendas que vêm sendo feitas à LDB (Lei n. 9.394/96), lei que nasceu fragmentada, mas salvaguardando algumas coisas fundamentais como a Educação Básica (com as etapas da Educação Infantil e dos Ensinos Fundamental e Médio).
            Queremos aqui registrar que o PL faz retroagir a educação de jovens e adultos, especialmente os das classes populares, aos anos 1940, bem como revoga o conceito de Educação Básica como direito social e subjetivo, consagrado na Constituição Federal (Art. 205) e na LDB (Art. 22). Como indicativo das várias análises que se vem fazendo, transcrevemos o artigo que clarifica a gravidade do PL n. 6840/2013: 
Art. 205 CF - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 22 LDB 9394/96 - A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e no prosseguimento de estudos.
            Lamentamos também o constrangimento aos projetos levados adiante pelas Profas. Dras. Jacqueline Moll e Sandra Garcia que, há mais de uma década, vêm lutando nas instâncias governamentais (estaduais e federal), em diálogo com instituições  científicas, movimentos sociais e culturais, pela Educação Básica (Infantil, Fundamental, Média; Educação Profissional e EJA).
Uma análise inicial do Projeto de Lei CEENSI evidencia que além de promover uma distorção legal entre a Constituição Federal e a atual LDB, ele significa um retrocesso na democratização da educação brasileira. Nos termos específicos, o PL n. 6840/2013 visa, basicamente, a alterar os artigos 24 e 36 da LDB 9394/96 e, em síntese, as proposições presentes no referido Relatório dizem respeito diretamente a mudanças na organização pedagógica e curricular do ensino médio que aparentam favorecer a escolarização ampla da população, mas têm implicações sérias no sentido contrário. O PL, se aprovado, causará grande prejuízo para o desenvolvimento do Ensino Médio. Por esta razão, pela complexidade do tema, particularmente, do ponto de vista da universalização e democratização da Educação Básica no país, é necessário um aprofundamento da discussão de seu conteúdo.
Entre as alterações previstas encontra-se a proposta de diversificação no último ano do ensino médio com ênfase em ciências da natureza, ênfase em ciências humanas e na formação profissional. Esta proposição, ao retornar com os ramos de ensino, remonta à Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942, conhecida como Reforma Capanema, em que este ensino foi definido em dois ciclos, sendo o segundo, com duração de três anos (o que corresponderia à duração do ensino médio hoje), dividido em dois cursos, o clássico e o científico. O primeiro, voltado para a formação intelectual, o estudo da filosofia e das letras e o segundo, para o estudo das ciências. Vê-se, assim, a fragmentação dentro do próprio ramo propedêutico, já que a formação profissional, nesta época, era estruturalmente paralela, independente em relação à formação propedêutica e impedia a continuidade de estudos de nível superior.
Dando resposta às revindicações da sociedade civil pela equivalência dos cursos propedêuticos e profissionais de nível médio para a continuidade de estudos em nível superior, primeiro, através das Leis de Equivalência, no decorrer dos anos 1950, e depois,  pela LDB n. 4.024/61, tendeu-se a superar tal fragmentação, ao considerar “os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-primário” (artigo 34) como ensino médio. No entanto, a Lei n. 5.692/71 começou obrigando que todo o 1º.  e 2º. Graus fossem de formação profissional, obrigatoriedade que somente foi extinta em 1982, no setor privado pelo desinteresse em profissionalizar, e no setor público pela carência de meios, pela Lei n. 7.044.
Consolidaram-se, assim mesmo, dois ramos diferenciados do 2º. Grau – propedêutico e técnico profissionalizante – os quais, mesmo sendo formalmente equivalentes para fins de prosseguimento dos estudos, contribuíram para acirrar a dualidade educacional brasileira neste nível de ensino.   
A Lei n. 9.394/96 promoveu um salto qualitativo da concepção de ensino médio, ao incorporá-lo como última etapa da Educação Básica, juntamente com os ensinos Infantil e Fundamental. Mais ainda, a definição da finalidade da Educação Básica – portanto, também do Ensino Médio – de “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e no prosseguimento de estudos” (artigo 22), não deixa dúvidas sobre o caráter unitário do ensino médio, numa relação orgânica com as etapas anteriores da educação básica.  Vimos que o Decreto n. 2.208/97 tentou restaurar a dualidade entre a formação propedêutica e a profissional, tornando este independente da educação escolar – tal como era no contexto da Reforma Capanema – ainda que tivesse como pré-requisito para o estudante estar cursando ou ter concluído o Ensino Médio.
A restauração da perspectiva unitária do Ensino Médio após a reforma de FHC esteve no reconhecimento da possibilidade de este preparar o estudante para o exercício de profissões técnicas, mas sob a condição de atender, necessariamente, a sua finalidade de formação básica. A concepção de Ensino Médio Integrado que se procurou desenvolver e difundir pelos sistemas de ensino após a publicação do Decreto n. 5.154/2004 visava dar materialidade a este pressuposto.
O PL que agora entra em cena parece proporcionar flexibilidade e diversidade ao Ensino Médio, mas representa o maior retrocesso da história recente das políticas educacionais no Brasil. Ele ignora quase um século de debates, disputas e superações, refundando a fragmentação e a dualidade desse ensino médio, chegando até mesmo a comprometer a sua concepção e finalidade como etapa da Educação Básica. Além de afrontar contundentemente os fundamentos ético-políticos e pedagógicos que conferem esse atributo ao Ensino Médio, a mudança curricular com ênfases em uma ou outra área ou na educação profissional contraria não só a LDB, face ao artigo 22 aqui já referido, mas, antes, a Constituição Federal em seu artigo 205.
Ambos os dispositivos legais asseguram o desenvolvimento pleno do educando e a formação comum como direito. A O PL fere esta formulação, mesmo havendo base nacional comum, pois a obrigatoriedade de se fazer alguma opção no terceiro ano estabelece uma diferenciação formativa no Ensino Médio e, portanto, na Educação Básica, rompendo com o princípio constitucional da igualdade de acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade com vistas à formação integral de todo e cada cidadão.
O PL demonstra imediatamente uma dificuldade de situar todo o esforço da sociedade no desenvolvimento da formação integral para todos os estudantes do ensino médio e na integração da formação geral com a formação profissional. Ademais, a opção da profissionalização no 3º ano do ensino médio contraria a forma de articulação integrada prevista na própria LDB (e não alterada pelo projeto de lei) estabelecendo mais uma contradição legal.
Cabe lembrar que a legislação brasileira é bastante flexível para a organização curricular e a autonomia para os projetos pedagógicos das unidades escolares e que a proposição de formato obrigatório diminuiria a flexibilidade que anuncia. Há uma perda de liberdade de organização curricular e autonomia das escolas e das redes de ensino. Sua maior consequência seria “naturalizar” o reducionismo curricular oferecido para determinados segmentos da população (os mesmos que muito recentemente conquistaram o acesso ao ensino médio nas escolas públicas estaduais).
As grandes questões e dificuldades do Ensino Médio ficam, então, ainda mais distantes de serem superadas, pois elas pressuporiam uma política pública de longo prazo e protegida de mudanças conjunturais que muitas vezes representam retrocessos para as conquistas realizadas. Entretanto a questão mais importante para o desenvolvimento de um Ensino Médio de interesse da sociedade brasileira não se encontra somente nas decisões políticas governamentais ou na definição de um marco legal “ideal” (como se fosse possível), mas principalmente, na capacidade de organização e comprometimento da sociedade em geral e, em especial, dos movimentos sociais na luta pelo direito de um ensino médio de qualidade para todos.
                       
Pela gravidade das consequências explícitas em uma reforma desta natureza, que não só nega o direito social e subjetivo do ensino médio como educação básica à geração atual e a futuras gerações de jovens, mas  naturaliza a dualidade e dentro dela a diferenciação de classes e grupos sociais nós, instituições científicas, pesquisadores em educação, movimentos sociais e culturais e demais profissionais que lutam por uma sociedade justa e com vida digna para solicitamos que o MEC não adira ao mesmo e o Congresso Nacional  o não aprove.

Assinam esta MANIFESTAÇÃO e solicitam apoio à petição pública anexa a esta mensagem,

Grupo THESE – Projetos Integrados de Pesquisas em Trabalho, História, Educação e Saúde (Uff-Uerj-EPSJV/Fiocruz), coordenado por
Gaudêncio Frigotto (UERJ) e Eveline Algebaile (UERJ)
Maria Ciavatta (UFF) e Zuleide Simas da Silveira (UFF)
Marise Ramos (EPSJV/Fiocruz) e Julio César França Lima (EPSJV/Fiocruz)

Nenhum comentário:

Postar um comentário