O Espaço de diálogo sobre o Ensino Médio Público

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

PROBLEMATIZAÇÃO, TRABALHO COOPERATIVO E AUTO ORGANIZAÇÃO COMO ESTRATÉGIAS BÁSICAS PARA O ENSINO INTEGRADO



É um desafio pera educadores e unidades escolares comprometidas com a formação ampla dos sujeitos a definição de estratégias de organização curricular e de ensino que favoreçam a superação da visão fragmentária e linear da realidade e que tornem mais factível um projeto de formação orientado pela ideia de integração.
Mas, apesar de necessário, não é o uso de técnicas de ensino adequadas que garantem a promoção da compreensão da dialeticidade do mundo. Mais importantes são os compromissos que assumimos e que nos permitem fazer escolhas e, dentro dos limites objetivos colocados pela realidade das escolas brasileiras, ressignificar procedimentos tendo em vista os objetivos de emancipação social e de promoção da autonomia dos sujeitos.
Para considerar as estratégias de ensino, partimos da compreensão de que a ação didática também se coloca como um objeto da disputa hegemônica entre capital e trabalho e esta disputa revela-se nas diferentes perspectivas que assume. Para Candau (1995) a Didática tem sido entendida ora sob uma perspectiva dicotômica e ora sob a perspectiva da unidade. A visão dicotômica separa teoria e prática. Essa visão predomina nas práticas de educação profissional que reproduzem a dualidade educacional brasileira.
A didática pode ser entendida também como uma ação de articulação entre a teoria e a prática. Esta articulação pode ser pensada, no entanto, de diferentes maneiras: a) por justaposição, b) com subordinação de um elemento a outro (da prática sobre a teoria ou da teoria sobre a prática) ou c) sob a perspectiva da unidade indissolúvel (Candau, 1995).
Sob a ótica da dialética, a distinção entre teoria e prática se dá no seio de uma unidade indissolúvel que pressupõe uma relação de autonomia e dependência de um termo em relação ao outro. Na visão de unidade a teoria nega a prática imediata para revelá-la como práxis social, a prática nega a teoria como um saber autônomo, como puro movimento de ideias e a teoria e prática são tidos como dois elementos indissolúveis da “práxis”, definida como atividade teórico-prática. Seria esta perspectiva de unidade da relação entre teoria e prática que orientaria os projetos de ensino integrado.
Considerando uma possível didática da educação profissional, a perspectiva integradora deve pressupor:
·         O compromisso com a formação ampla e duradoura dos homens, em suas amplas capacidades;
·         A ideia de práxis como referência às ações formativas.
·         Que a teoria e a prática educativa constituam o núcleo articulador da formação profissional;
·         A teoria sendo sempre revigorada pela prática educativa;
·         A prática educacional sendo o ponto de partida e de chegada;
·         A ação docente se revelando na prática concreta e na realidade social;

Tendo como efetiva a possibilidade de práticas pedagógicas se constituírem na perspectiva da unidade, é necessário buscarmos os procedimentos e técnicas mais adequados ao projeto de formação integrada. Entretanto, refutamos o tecnicismo (que supervaloriza as técnicas e as concebem como garantia do ensino e da aprendizagem) e o politicismo (que desconsidera a relevância das técnicas de ensino, associando-as, sempre, ao conservadorismo) como formas de conceber as técnicas de ensino.
Se o tecnicismo foi hegemônico na educação brasileira, nos anos 1970, nos anos 1980 o politicismo (que desconsidera a relevância das técnicas de ensino, associando-as, sempre, ao conservadorismo) foi amplamente incorporado pelos chamados “educadores progressistas”. Compreendemos que ambas as correntes estão incoerentes com a perspectiva do ensino integrado já que não conduzem a práticas de transformação social.
Tomamos, assim, as técnicas de ensino tal como concebe Araujo (1991), como mediações das relações entre o professor e o aluno, projetadas como condições necessárias e favoráveis, mas não suficientes do processo de ensino. As técnicas de ensino assim compreendidas estão sempre subordinadas, política e metodologicamente, às suas finalidades e as práticas sociais que as conformam.
Também concordamos com Araujo (1991) quando este defende que as técnicas podem estar a serviço da manipulação, do tecnicismo, da Escola Nova ou da perspectiva libertadora. Sendo assim, torna-se possível pensar e realizar um estudo dirigido sem a auréola planificante que o definia, assim como também se torna possível a aula expositiva sem as características do ensino tradicional. Qualquer técnica, portanto, compreendida como mediação, deve ser reconhecida em seus limites e sem a certeza de que seja garantia de sucesso do ensino e da aprendizagem na formação de amplas capacidades humanas.
Como “meio” a técnica sempre serve a um fim e é nessa perspectiva que serão tratadas aqui as estratégias de ensino, em articulação com um projeto educacional integrador e emancipador. Sua validade também só pode ser avaliada se considerados os seus fins e a sua prática já que é o exercício da técnica que a valida e não o seu prévio conhecimento teórico.
A possibilidade de ressignificação de diferentes procedimentos de ensino não significa, porém, a afirmação de uma possível neutralidade dos mesmos. Estes têm origem, história e usos sociais, que revelam suas seus limites e potencialidades. Mesmo assim, eles constituem um conjunto de possibilidades que, considerando as finalidades de emancipação e as condições objetivas, podem favorecer mais ou menos ao desenvolvimento da formação ampla dos indivíduos e, para isto, deve-se considerar a problematização, o trabalho cooperativo (coletivo) e a auto organização como referências para o trabalho didático.
A problematização aqui é compreendida como um processo de exercício da criatividade, que requer 1) o reconhecimento da realidade ou de um dado objeto; 2) a identificação ou formulação de ideias, perguntas, lacunas de compreensão daquela situação ou objeto; 3) a escolha e uso de recursos teóricos e empíricos que permitam testar aquelas ideias, responder às perguntas ou suprir as lacunas do conhecimento existente; e 4) a avaliação do percurso e a refacção das ideias, de novas perguntas e a identificação de novas lacunas. Neste caso, é o processo de enfretamento da situação que promove o desenvolvimento da força criativa, não o resultado. Para Salomon (2000) é no exercício do enfrentamento do problema que o homem promove a sua humanização

todo problema, desde o momento de sua percepção ou de sua formulação, deve trazer ao ser humano a consciência de que enfrentar o desafio para superá-lo significa realização humana e realização de vida (Salomon (2000: p. 08)grifo meu).


O trabalho cooperativo, compreendido por Pistrak (2000) como uma tarefa coletiva entendida como uma unidade, ou seja, que requer a responsabilidade coletiva pelo trabalho. Para este educador soviético é o trabalho coletivo que revela a essência da escola socialista, tornando-se uma categoria central da sua proposta de pedagogia. O coletivo é entendido assim não como a negação simples do indivíduo ou de sua individualidade, mas como crítica às práticas individualistas.
Já a auto organização deve ser buscada por meio do estímulo à iniciativa (atividade) dos discentes permitindo aos mesmos que passem “por uma variedade de formas organizacionais, o que pode ser conseguida dando-se à auto organização formas mais flexíveis, que se adaptem cada vez às novas tarefas” (Pistrak, 2009, p. 123).
Estas referências devem ser orientadoras para as práticas de ensino que se propõem coerentes com o projeto de enfrentamento à fragmentação do ensino por meio do projeto do ensino integrado.

Referências:
ARAUJO, José Carlos Souza. Para uma análise das representações sobre as técnicas de ensino. In: VEIGA, Ilma Passos de Alencastro (org). Técnicas de Ensino: por que não? São Paulo: Papirus, 1991.
CANDAU, V. M. Rumo a uma Nova Didática. Petrópolis: Vozes, 1995.
SALOMON, Délcio Vieira. A maravilhosa incerteza. SP: Martins Fontes.
PISTRAK. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2000.


obs. Excerto do texto “PROBLEMATIZAÇÃO, TRABALHO COOPERATIVO E AUTO ORGANIZAÇÃO: possibilidades de procedimentos de ensino integrado”, de autoria de Ronaldo Lima Araujo e Maria Auxiliadora Araujo.

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