(Luiz Gonzaga Belluzzo) – Revista
Carta Capital – 29/08/2012)
A Educação é cláusula pétrea do credo
iluminista-republicano. Não há de existir cidadania sem educação universal e
pública. Sem ela estariam seriamente arriscadas a liberdade e a igualdade. O
ideal da educação para todos nasceu comprometido com o projeto de autonomia do
indivíduo, o que supõe capacidade de compreensão do cidadão, enquanto titular
de direitos e fonte do poder republicano.
Os fortes clamores que circulam pelo Brasil e pelo
planeta em prol da educação quase sempre estão inspirados numa versão bastarda dos valores originais do
humanismo iluminista. Eles sublinham as exigências impostas pelas engrenagens
da economia. A chamada Teoria do Capital
Humano, por exemplo, cuida de atribuir os diferenciais de crescimento entre
países e o agravamento das desigualdades à maior ou menor eficácia dos sistemas
educacionais. A experiência dos países asiáticos (Japão, Coreia, Taiwan, China)
é invocada como a comprovação da importância da educação para o crescimento
acelerado da produtividade da mão de obra, aquisição de vantagens comparativas
dinâmicas e melhor distribuição de renda.
“Trate de conseguir boa educação ou será um dos
derrotados pela marcha do progresso.” Este é o desafio que os senhores do mundo
lançam aos que lutam por bons empregos. Seria estúpido negar o papel da
educação enquanto instrumento da qualificação técnica da mão de obra. Mas os
últimos estudos internacionais sobre emprego, produtividade e distribuição de renda
mostram o óbvio: a boa educação é
incapaz de responder aos problemas criados pelos choques negativos que vulneram
as economias contemporâneas.
Exemplos: desindustrialização, reestruturação das
empresas imposta pela intensificação da competição, crise fiscal e perda de
eficiência do gasto público. Em suma, se esses fatores reais do crescimento
falham, a educação naufraga como força propulsora do emprego e da distribuição
de renda. A Europa e os Estados Unidos estão aí para demonstrar que pouco vale ter gente mais “empregável” se a
economia patina e não cria novos empregos.
A visão simplória e simplista da educação obscurece
a tragédia cultural que ronda o Terceiro Milênio. A especialização e a
“tecnificação” crescentes despejam no mercado, aqui e no mundo, um exército de
subjetividades mutiladas, qualificadas sim, mas incapazes de compreender o
mundo em que vivem. Os argumentos da razão técnica dissimulam a pauperização
das mentalidades e o massacre da capacidade crítica.
Na sociedade contemporânea esses trabalhos são executados
pelos aparatos de comunicação de massa apetrechados para produzir o que Herbert
Marcuse chamou de “automatização
psíquica” dos indivíduos. Os processos conscientes são substituídos por
reações imediatas, simplificadoras e simplistas, quase sempre fulminantes e
esféricas em sua grosseria. Nesses soluços de presunção opinativa, a
consciência inteligente, o pensamento e os próprios sentimentos desempenham um
papel modesto.
Os indivíduos mutilados executam os processos descritos
por Franz Neumann, em Behemoth, o livro clássico sobre o nazismo: “Aquilo contra o que os indivíduos nada podem
– e que os nega – é justamente aquilo em que se convertem.” O mundo da vida
aparece sob a forma farsista de um conflito entre o bem e o mal, objetivado em
estruturas que enclausuram e deformam as subjetividades. A indignação
individualista e os arroubos moralistas são expressões da impotência que, não
raro, se metamorfoseia em violência. Convencidas da universalidade do seu
particularismo, as “boas consciências” distribuem bordoadas nos que estão no
mundo exatamente como eles, só que do lado contrário.
O domínio do espaço público pelos aparatos de
comunicação procede à sistemática lobotomia das capacidades subjetivas que
ensejam a crítica e resistem à manipulação. Trata-se de um procedimento de neutralização das funções de contestação
massacradas pela publicidade travestida de informação.
Essa engrenagem entrega-se aos labores de remover
quaisquer resíduos de razão crítica que os indivíduos livres porventura
consigam preservar. Na sociedade de massa é preciso não sentir o que se
“pensa”, nem “pensar” o que se sente. A educação dos iluministas, da República
e da Democracia nasceu com o propósito de rejeitar essas forças que, nas
palavras de Marshall Berman, “transformam a ação humana em repetições rançosas
de papéis pré-fabricados, reduzindo os homens a indivíduos médios, reproduções
de tipos ideais que incorporam todos os traços e qualidades de que se nutrem
as comunidades ilusórias”.
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